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Título • Responsável pelo banco de dados • Como citar • Período de Construção • Descrição   Organização do banco 

 

Título do banco de dados 

Linguagem escrita e grafismos indígenas contemporâneos

 

Responsáveis pelo banco

Aline da Cruz [Currículo Lattes]

 Glaucia Vieira Cândido [Currículo Lattes]

Douglas Anunciação de Souza [Currículo Lattes]

(UFG, Núcleo Takinahaky)

 

Como citar:


CRUZ, A.; CÂNDIDO, G. V.; SOUZA, D. A.; 2022. Linguagem escrita e grafismos indígenas contemporâneos. Bancos de dados do CEDOCH. São Paulo: CEDOCH-DL/USP. Disponível em: https://cedoch.fflch.usp.br/linguagem-escrita-e-grafismos-indigenas-contemporaneos

 

Período de constituição do banco

2019
 

Descrição

       O banco reúne um conjunto de imagens e de depoimentos produzidos ao longo de uma disciplina ministrada pelas professoras Aline da Cruz e Glaucia Vieira Cândido, com monitoria do graduando Douglas Anunciação de Souza, no primeiro semestre de 2019, no Curso de Educação Intercultural da Universidade Federal de Goiás. Participaram da disciplina estudantes das etnias Akwe, Apinayé, Bororo, Karajá, Guajajara, Kayapó, Kalapalo, Krahô, Takapê e Xavante, que trouxeram informações e reflexões sobre o papel da escrita e de outras linguagens em suas culturas e compuseram imagens e textos, dos quais este banco traz uma amostragem.
 

Organização do banco:

    O banco está organizado em duas seções, Seção I: imagens e Seção II: depoimentos.

Seção I: imagens

     As professoras propuseram aos alunos que recuperassem e recriassem dos grafismos mais utilizados por suas etnias. Como ponto de partida, questionou-se: quais são as pinturas corporais de seu povo? O que cada uma significa? Quando elas costumam ser feitas? Quais os materiais utilizados? Quem pode realizar as pinturas? A seguir, encontram-se alguns dos resultados dessa atividade.  

Bororo

“Jakomea otugo padure paru jiwu pariko: cocar com os pés semelhantes as pinturas de Aroe Jakomea. Em seguida tem lasquinhas de taquara, recobertas de plumas vermelhas de arara vermelha, entremeadas por três grupos de três lasquinhas, cada um recoberta de plumas vermelhas e amarela de Aroia Kurireu. É pertencente ao sub clã dos Iwagadu-doge cebegiwuge. Os filhos das mães que são Iwagudu podem usar também, se tiver que fazer o Mori deste sub clã não sendo do mesmo terá direito em usar. Se acontecer um ritual o ancião que conduz o mesmo, vai distribuir os Pariko e se não tiver homem do referido sub clã, o ancião repassará a outro homem sem ser propriamente do clã, e as mulheres que são do clã Pariko dançam atrás, por causa do sub clã do Pariko e não do homem. Os enfeites Bororos são comumente usados em rituais festivos, contudo é mais usado em funeral. Apodo Oto pertence ao sub clã Kie, os filhos das mães que são Kie podem usar também se tiver alguém para fazer o Mori deste sub clã não sendo do mesmo terá direito em usar. A pintura facial representa bico de tucano. A pintura pode ser feita rotidianamente e em dias festivos. Quem pode pintar são os sub clãs Kiedo. Não pode ser pintada em objetos, pois trata de uma pintura de identidade, somente em cabaças para as crianças aprenderem a pintar. Os materiais usados: Kidoguro, Konogo, pó de carvão do caule de urucum.”

Xerente
Grafismo

“As pinturas e grafismos do nosso povo é a pintura corporal que se divide em seis clãs diferentes. O mais usada é a pintura ÎSAPTO TDEKWA (o círculo) e KROZAKE TDÊKWA (as listras). São traços horizontais e verticais, os círculos em forma de bolinhas. O significado da pintura é a organização e respeito entre cada um desses clãs. Nas festas tradicionais, casamentos, nos conflitos, discursos entre anciões, nas defesas do extraescolar são usadas essas pinturas, as pinturas são feitas pelos mais experientes de um povo. São pintados os homens, as mulheres, adolescentes e em geral, as pinturas também são usadas nos objetos, parede, camisetas e outros. Os materiais usados são o jenipapo queimado de borracha, líquido de pau de leite, o talo de buriti.” Acadêmicos: Nelson Xerente, Anderson, Wakedi, Jailson, Pedro Smisuite, Luiz Fernando e Edimar.

Kayapó

“A pintura é feita de uma lasca fininha de bambu que serve como pincel para delinear o desenho. Os materiais usados para a pintura são: jenipapo e carvão. Quem pode fazer são as mulheres, porque elas são mais detalhadas e tem habilidade de fazer este desenho da pintura de jabuti (Kaprâm ôk), leva cerca de uma hora para ser feita. É um desenho feita no corpo e nas abutas e todos podem usar. Essa é a pintura mais importante usadas nas festas tradicionais. MEIKUMREI!!”

Xavante

“No povo xavante tem várias pinturas que utilizamos e tudo tem significados, por exemplo: Da’upté, Da’uhö Danhanapré, Tsõnhihöpö.rã e Dadzuné. Em momentos especiais da realização do ritual no período: Uiwede, oi’o Wa’i, Dadzarõnõ... As pinturas podem ser realizadas através da organização social: ~Iprédu, Damama, Dama’amo, Datsitsãnãwãduré pi’õ. São: Ai’uté, wapté. ‘ritéi’wa, Danhõhui’wa, ihi (aibö, pi’õ). Exemplo de objetos: Wamnhõrõ, Uiwede, Ub’ra, Wététeihi, Waptémnhõpre, Dzô. São: Bö, Weclepró, Wede’rã, Nõrõdzô.” Grupo: Josias Ts.Ts, Érico V., Gininho Ts, Diogo Anhöjuruna, Romano Ts, José Mauro Ts, Giovanni Ts. Tsenedzama, GloriuTsudzauré".

Guajajara

 

Nome: Pintura Corporal (Jiboia). Significado: Força, resistência, proteção e beleza.

Nome: Pintura facial da menina moça. Significado: Ritual de passagem para a fase adulta.”

Krahô

Significado: Horizontal (Ihcajcàr) e vertical (Ihcapê). Função: Inverno/Verão. Grupos: Catàmjê/Wacm~ejê.”

Apinayé

“Pintura dos clã dos povos Apinayé. As duas pinturas representam os partidos dos clãs que são Kooti e Kore. O vertical é o nome Wanhm~e (sol) e horizontal é Katàm (lua), essas pinturas são usadas nos rituais da tora grande, é realizada na festa de final de luto, são quinze dias de festas, é realizada muitas cerimonias nesses dias. A tinta utilizada é do jenipapo e urucum, a tinta é feita por mulheres indígenas Apinayé. Cada grupo de seu partido estarão com duas ou mais mulheres para fazer a pintura no corpo de cada grupo que pertence.  Uma pessoa de cada clã pinta a tora que se refere ao seu clã. Podem se casar somente pessoas do mesmo clã.”

Javaé

Hãrabò: Hãrabò é uma pintura de cobra grande feita pelos homens e mulheres. Utilizada pelos homens e mulheres. Também pode ser usada no objeto.

Urèwoti é uma pintura da parte da barriga do camaleão. Feito pelos homens e mulheres. Quem podem utilizar é o rapaz e a moça.

Material que é utilizado para produzir a tinta é o jenipapo com carvão próprio.”

Autores: Ijararu G. Karajá, Josue Sarikuo Karajá e Júnior Ohori Javaé."

Seção II: depoimentos

     A segunda atividade proposta consistia na busca de informações sobre a escrita da língua de seu povo e de que maneira ela foi estabelecida em sua cultura. Foram realizadas perguntas relacionadas à origem da escrita, à permanência ou não da mesma forma de escrita desde sua criação, à existência ou não, na comunidade, de discussões sobre ortografia. A partir desses questionamentos, obtiveram-se os seguintes depoimentos:

          Krahô: 

“A língua Krahô sofre algumas interferências do Apinayé e do português, também tem algumas palavras parecidas com a língua Kupen. É praticamente a mesmo língua, mas para eles é muito fácil o português, por isso nas escolas as crianças são ensinadas do 1° ao 5° ano somente na língua materna e exclusivamente por professores indígena, no ensino médio que entram os professores não indígenas. O primeiro professore Krahô foi José Miguel.

A escrita foi introduzida em 1970, pelo pastor Itani, uma pessoa humilde e simpática, que teve o respeito de ajudar nossos parentes Krahô, ele teve a ideia de criar a escrita dos povos, faleceu recentemente aos 100 anos.

Nossa escrita tem 29 fonemas, sendo treze consoantes e dezesseis vogais, dez orais e seis nasais. A escrita e a fala atualmente sofreu muitas mudanças, principalmente pelos jovens, e já falam um pouco diferente, os mais velhos falam palavras corretas e os jovens incorretas. O jovem diz ‘Jõr~i’ e o velho diz ‘nõri’, significa ‘onde’. Isso afeta bastante, por isso nós estamos aqui no curso intercultural, para voltar para a comunidade e não deixar que se perca essa escrita. Há 7 livros didáticos na língua nativa, de ciências, história e cartilhas para alfabetização, foram elaborados em parceria com a Universidade Federal do Tocantins. Alguns sons que são representados pelas consoantes <B>, <D>, <F>, <G>, <L>, <S>, <V>, e <Z> no português, não existem na nossa língua.

Xavante:

“Um dia teve a palestra de um dos anciões da tribo e ele disse: ‘Vocês são a nova geração, daqui pra frente não sei para onde nós, a sociedade indígena e não indígenas, estamos indo. Pelo o que eu vejo, sempre observando as línguas, o não indígenas está entrando cada vez mais na nossa cultura, por exemplo, as palavras televisão, celular que não existia. Acima disso, sempre destacamos a escrita e as letras, elas não são nossas, não são das nossas origens. Será que vocês não têm condições de criar as letras?’ Na verdade essas letras não são nossa.

O povo Xavante foi descoberto na década de 1940, teve a sua língua colonizada através das missões católicas e evangélicas, diante do contato frequente foram se formado as letras e o alfabeto em meados da década de 1970 e 1980. Atualmente existem nove terras indígenas Xavante no estado de Mato Grosso, os povos indígenas não se comunicavam por escrita, somente por sinais, como gestos e movimento e por imagens artística, como os grafismos. Os salesianos iniciaram os trabalhos para ensinar a língua portuguesa e a materna, com a parceria dos professores indígenas que têm conhecimento da língua portuguesa. Juntos elaboraram os materiais na língua materna, como livros didáticos, dicionário e cartilhas para alfabetização. As informações saíram através da comunidade. Hoje já tem professores Xavantes formados no magistério, curso de licenciatura intercultural, mestrado e doutorado. 

Existe a variação na fala e na escrita dos povos Xavantes decorrente das diferentes missões religiosa, pois cada uma interferiu de uma maneira própria no ensino e alfabetização do português nas comunidades Xavantes. Os pastores não buscaram as informações dos professores, eles foram direto à toda comunidade, mas registraram de acordo do entendimento deles. Os padres, ao contrário, buscaram com os professores. Nós temos nove terras Xavantes, algumas são as mesmas escritas e outras não, como somos dividido não há concordância, mas nos juntamos para debater e estudar sobre, e quem sabe no futuro para melhor nosso entendimento e fazer as correções das informações registradas pelos pastores?

Naquele tempo houve uma competição entre pastores e padres, os pastores evangélicos levaram alguns anciões para representar a sua língua, os missionário católicos também foram à comunidade e debatiam para chegar em uma unificação das letras, algumas letras se perderam como o <Y> e o <Z>. Os salesianos adaptaram a nossa pronuncia e a nossa fala para ser mais fácil e nas letras colocaram algumas que não existiam, uma variação é a pronunciação do /DZ/, que é aceita em algumas regiões e em outras não."

Apinayé:

“O primeiro contato que houve entre os não indígenas os apinayés foi quando os bandeirante exploravam as margens do Rio Tocantes buscando território para fazer as inundações, onde hoje é o município de Tocantinópolis. Eles começaram por catequizar e ensinar a língua portuguesa. Derrubaram as matas por volta de onde localizava a aldeia e por essa razão os indígenas migraram para o interior do território, assim expandiram os municípios. Nessa época os fazendeiros invadiam e matavam indígenas.

Antes o SPI resguardava o povo apinayé, mas eles não tinham como ensinar na língua apinayé, então a educação era toda em português, levou muito tempo assim. Com a criação da FUNAI em 1917 e o decreto presidencial que permitiu dar aulas indígenas e na língua nativa, veio dos Estados Unidos a missionária Patrícia Mando e a escrita veio com ela, quando ela chegou iniciou pesquisas com os mais velhos estudou o povo com intuito de aprender a língua junto aos anciões. À partir do som das palavras ela fez primeiramente um pequeno texto sobre os Apinayés e traduzido para o português, traduziu a bíblia e criou o alfabeto de acordo com os conhecimentos que tinha e um pouco de influência do inglês. O alfabeto tem 29 letras, dezesseis vogais e treze consoantes, a gente pensa ‘Nossa língua é tão difícil, que veio uma estudante dos Estados Unidos para criar o alfabeto para nós’. Viveu na comunidade por mais de 30 anos. Hoje tem a gramática da língua Apinayé e o texto escrito pela missionário que está resguardo. 

Hoje a gente escreve com as nossas próprias palavras e já está diferente da linguagem antiga, que vai mudando de acordo com os anos. Já há professores do intercultural e a gente percebe uma escrita diferente, por exemplo, com a missionária se escrevia ‘Pyka’, com <Y> e agora, após uma convenção realizada entre os professores indígenas e os anciões, se escreve ‘Pika’, com <I>. Vamos buscando definir com nossas próprias palavras, porque não queremos seguir com algo feito por outras pessoas, a língua portuguesa teve várias escritas diferentes, igual com a nossa. Tem dicionário, gramática e vário escritos feitos na língua indígena. Futuramente pode ter outras falas, porque as crianças respondem em outras palavras e existe variação linguística entre as tribos, a língua, a cultura e os objetos já sofreram muitas modificações desde os antigos.”

 

Produto relacionado ao banco:
 

SOUZA, D. A. 2019. Linguagem escrita e suas funções sociais e grafismos indígenas e outras linguagens. Relatório de curso realizado sob a orientação de Aline da Cruz e Glaucia Vieira Cândido. Goiânia: UFG.